domingo, 30 de maio de 2021

DH - Doença de Huntington - conhece?

Você conhece, ou já ouviu falar em DH - Doença de Huntington? Talvez não! Então vou explicar, especialmente, para aqueles que se interessam em saber. Tenho como base aqui, minha experiência pessoal familiar, alguns apanhados da ABH - Associação Brasileira de Huntington (a qual me inscrevi já!) e, o livro "A família O'Brien", escrito por Lisa Genova, que apesar de não se tratar de uma história verídica, tem muitas histórias reais ali dentro.  

Lisa trás em sua trama, que envolve a família O'Brien, partes de textos explicativos sobre o que é a doença e, vou começar por um deles: "A doença de Huntington (DH) é uma disfunção neurodegenerativa caracterizada pela perda progressiva do controle motor voluntário e pelo aumento nos movimentos involuntários. Os primeiros sintomas fisicos podem incluir perda de equilibrio, redução na agilidade, quedas, choreia [que são aqueles movimentos de torção], fala arrastada e dificuldade para engolir. A doença é diagnosticada por meio de um exame neurológico baseado nesses distúrbios de movimento e é confirmada por exame genético. Embora o diagnóstico exija a apresentação de sintomas físicos, existe um "pródromo de DH" insidioso, um grupo de sintomas que pode ter inicio até quinze anos antes do surgimento de problemas motores. Os sintomas pródromos de DH são tanto psiquiátricos quanto cognitivos, e podem incluir depressão, apatia, paranoia, transtorno obsessivo-compulsivo, impulsividade, surtos de raiva, redução na velocidade e na flexibilidade do processo cognitivo além de prejuízo da memória. Normalmente, a doença de Huntington é diagnosticada entre as idades de 35 e 45 anos, prosseguindo, inexoravelmente, até a morte, em um período de dez a vinte anos. Não existe tratamento que interfira na progressão, nem cura."

Eu tive uma avó diagnosticada com Doença de Huntington. Era minha avó materna. Ela morreu em 1990 e, não foi da doença, mas do pouco que eu me lembro dela - e eu lembro - ela já era acamada e usava fralda nas minhas memórias, além de precisar que a alimentassem e não falava mais. Mesmo neste estado, de total dependência e muda, ela ria, e como ria e, adorava uma festança em família com os filhos dela (meus tios) tocando violão, com todos cantando um sertanejo raiz....ahhh que boa lembrança essa. Minha avó, apesar de tudo isso, vivia rindo. Era muito simpática e, adorava receber carinho. Eu me lembro de ouvir que ela tinha "coréia" e, que a doença "pulava" gerações. Nunca me questionei muito a esse respeito, afinal, minha mãe nunca apresentou sintomas. Tinha pra mim que era uma "doença de velhos" e, que poderia simplesmente "nos pular", ou "pular" minha família (minha mãe e consequentemente, nós, eu e minha irmã). Mas, não é bem isso! 

Há um tempo vinha percebendo, pelo pouco que encontrava minha tia (irmã da minha mãe) que ela estava ficando muito parecida com minha vó. Corpo meio rígido, mas com movimentos involuntários de torção, diminuição do foco no olhar, dificuldade na fala e o emagrecimento - uma característica marcante na minha vó e na DH. Normalmente ela estava acompanhada do meu tio - que enfatizava que ela não tinha a doença da mãe dela - e ele a "carregava" pelo braço. Sempre estava carregando-a, de uns anos pra cá.

A Lisa trás em seu livro uma informação um pouco técnica, mas que se alguém tiver dúvidas, posso explicar de forma simples ou indicar vídeos explicativos. "A mutação associada à doença de Huntington (DH) foi isolada em 1993, mapeada em um braço curto do cromossomo 4. Esta descoberta histórica foi feita em colaboração internacional, conduzida por uma equipe de neurocientistas em um laboratório do Charles town Navy Yard. Normalmente, o trinucleotideo citosina-adenina-guanina (CAG) repete-se dentro do éxon 1 do gene huntingtino 35 vezes ou menos. O gene mutante tem 36 repetições, ou mais, de CAG. A repetição genética expandida resulta num excesso de glutaminas na proteína huntingtina, causando a doença. Todo filho de um portador da doença de Huntington tem cinquenta por cento de chances de herdar o gene mutante. A descoberta dessa mutação possibilitou os testes genéticos para qualquer pessoa que esteja em risco. O teste determina, precisamente, o status genético." 

De acordo com o que li, todos temos a predisposição para a doença, desenvolvem aqueles que têm maior repetição do trio CAG. Resumindo: se tiver até 35 repetições não tem a doença, se tem de 36 a 40 repetições pode ter a doença e desenvolver ou não desenvolver e, se tiver mais de 40 repetições irá desenvolver. Transmitir a doença é relativo, pois os filhos de portadores têm 50% de chance de ter ou não a doença. E, dando um exemplo real, minha mãe pode ter uma mutação de 36 repetições (a mais baixa), não desenvolver e, eu ou minha irmã ter uma mutação de 42 e desenvolver, e nossos filhos terão cada um 50% de chances de ter DH. Daqui, acredito eu, vem a "lenda de pular as gerações". LENDA!

A minha tia de fato tem a doença que por anos recusou. Já a levamos ao neurologista e nem foi preciso exame genético para o diagnóstico. Ela, junto com o marido, criou outras possibilidades de doença que não aquela que realmente tem. Hoje minha tia já se encontra num estágio bem avançado, inclusive com a memória afetada por um certo grau de demência. Fala com dificuldade e sua mobilidade é bem restrita. Ela NUNCA aceitou e, ainda não aceita, portanto optamos por falar DH, pois ela não compreende de forma aprofundada e não discute. Infelizmente o esposo que mergulhou com ela nessa negação faleceu e, ela está sob nossos cuidados. E, estamos tendo que lidar com uma doença mais profunda do que os acometimentos físicos e psicológicos da DH. Estamos tendo que lidar com uma pessoa extremamente apática, que ficou por anos afastada das pessoas e do convívio com as pessoas, pra além da negação do que ela tem.

A autora do livro que mencionei trás que "a progressão da doença de Huntington, normalmente, pode ser dividida em três estágios. Os sintomas do estágio inicial habitualmente incluem perda de coordenação, choreia, dificuldade de pensamento, depressão e irritabilidade. No estágio intermediário, as dificuldades de planejamento e raciocinio pionam, a choreia fica mais acentuada e a fala e a deglutição ficam comprometidas. No estágio terminal da doença, a pessoa afetada não consegue andar, falar de maneira inteligível ou se mover com eficiência, além de depender completamente de terceiros para os cuidados e atividades rotineiros. A pessoa com doença de Huntington conserva a compreensão, a memória, e a consciència em todos os estágios."

Minha tia já se encontra entre a segunda e a terceira fase. Não pudemos, por escolha deles (ela e o marido), acompanhar o desenvolvimento e nem auxiliar a progressão da doença. Por negarem, NUNCA fizeram nenhum tipo de tratamento terapêutico, ou um acompanhamento que pudesse dar uma certa qualidade de vida, apesar de possuírem condições para tal. Além disso, a negação os colocou numa bolha que atualmente sentimos imensa dificuldade de entrar, uma vez que, ela tem episódios muito comuns de raiva, ansiedade, euforia e, acaba tratando todos a sua volta muito mal. Além de toda a questão que envolveu a morte do esposo, ter que lidar com essa situação dela e ainda pensar no futuro da minha família por vezes faz com que minha cabeça pese 200 kg. Não é nada fácil, e, ter conhecimento, neste caso específico, é um grande martírio, ou eu poderia chamar de mal necessário! 

Lisa escreveu que "A doença de Huntington é comumente chamada de doença familiar. Considerando sua herança autossômica dominante e seu curso prolongado, os pais, irmãos, filhos e até netos dentro de uma mesma familia podem passar por diferentes estágios da doença ao mesmo tempo. Com frequência, quando uma geração aproxima-se do estágio final, a geração seguinte começa."

Hoje eu sei que não posso fazer nada por mim, ou por minhas filhas, se uma de nós tiver mutação genética, já que por ora, a doença não tem cura! Também não tenho interesse HOJE de saber se sou gene positivo. Mas, posso fazer por netos ou netas (se um dia os tiver). Primeiro, orientar minhas filhas no tempo certo, é o mais indicado. E, no futuro, para elas existe a possibilidade de aconselhamento genético em caso de doenças como esta que temos na família. Isso significa que minhas filhas podem fazer seleção genética para serem mães e pouparem seus filhos/filhas de desenvolverem a doença. Elas não precisam saber se têm a doença ou não para fazer esse aconselhamento genético e, isso acho que é o mais importante. Algumas pessoas poderiam viver tranquilamente sabendo da possibilidade de desenvolver, enquanto outras não. Então, a escolha tem que ser pessoal e muito bem pensada. Eu vou dar a elas essa chance de escolherem o que elas querem para os filhos delas, pois sem essa informação não pude poupá-las. Não culpo ninguém por isso e, nem a mim mesma....mas hoje eu sei a sutil diferença entre poder escolher ou não....ela está entre 35 e 36 repetições de CAG!

Caso alguém queira conversar sobre isso, tirar dúvidas, pode me chamar pra conversar ou procurar pela ABH, se inscrever no site e, ver os vídeos explicativos deles. 

A verdade é que eu posso ter, mas não estou sofrendo por isso. Me chateio um pouco pelas minhas filhas, isso é verdade. Mas, por outro lado, penso que tem tanta coisa que a gente pode ter na vida....e, vontade de viver é uma das coisas que tenho. Meu texto é meramente informativo e, tem a intenção de te dar a chance de conhecer sobre essa doença rara....

Obrigada por ler até aqui!

Bjo aos pensadores de plantão...

Vô - eu - Vó

   

Eu - Vó - Irmã


Tia

Tia - Filha


Imagens: Arquivo Pessoal

Livro: A família O'Brien - Lisa Genova - Harper Collins - RJ/2019

Associação Brasileira de Huntington - https://abh.org.br/

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